
De certa forma, o movimento mesas completou um ciclo na América Latina.
O movimento Tres Olas, ou Três Ondas, surgiu da crença na importância de unir as vozes indígenas às vozes estrangeiras e nacionais no movimento missionário da América Latina. Nem sempre foi um caminho fácil, mas a fusão dessas três vertentes resultou no fortalecimento do movimento de tradução da Bíblia.
“O Movimento das Três Ondas começou em 2017, mais ou menos, por iniciativa da liderança indígena, que quer ser não apenas observadora, mas parte do avanço do trabalho na América do Sul”, disse Javier Mayorga, coordenador do Movimiento de las Tres Olas para a América do Sul. “Eles convocam a primeira onda missionária, que é a igreja estrangeira, e a segunda onda missionária, que é a igreja não indígena mestiça, a trabalharem juntas e cooperarem. Isso é feito dentro de uma estrutura de respeito e escuta da voz do povo indígena.”
Origens na Guatemala
Embora 2017 possa ser considerado o nascimento do movimento, suas raízes remontam a um século antes. William Cameron Townsend é frequentemente creditado por ter sido usado por Deus para lançar o movimento moderno de tradução da Bíblia. E o movimento começou com um relacionamento.
Na zona rural da Guatemala, Townsend era um estrangeiro e um dos primeiros representantes da primeira onda. Seu colega de trabalho no ministério, Francisco Díaz, era um missionário indígena que hoje seria considerado parte da terceira onda. Os dois homens caminharam muitos quilômetros juntos para compartilhar o evangelho.
À medida que Diaz traduzia do espanhol para o cakchiquel (sua primeira língua), ficou claro que as Bíblias em espanhol não atendiam adequadamente às comunidades de língua cakchiquel da Guatemala. Assim, em parceria, Diaz e Townsend estabeleceram um trabalho de tradução na língua cakchiquel em 1919. O modelo daria origem à fundação da Wycliffe Bible Translators e, eventualmente, se espalharia pelo mundo.
Nas Américas, o movimento voltou às suas raízes, encontrando maneiras de restabelecer parcerias entre organizações e igrejas nas três ondas. Quase 100 anos depois que Townsend e Diaz começaram seu primeiro projeto, as primeiras mesas nacionais de tradução da Bíblia e uso das Escrituras foram estabelecidas no Brasil e na Colômbia. E assim como os projetos de tradução da Bíblia se expandiram pelo mundo a partir de um começo humilde na Guatemala, as mesas já se expandiram para vários países da América Latina.

Interdependência e unidade
Todas as três ondas são necessárias nas mesas — especialmente para alcançar comunidades linguísticas em uma região tão grande e remota.
“A Bacia Amazônica é muito extensa”, disse Javier. “Ela começa na Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Brasil e Bolívia. Chega até o Suriname. Há nove países que fazem parte da Bacia Amazônica. Eles estão relacionados. E, desses, temos redes em seis países.”
“Não nos envolvemos de uma forma que crie dependências”, disse Javier, “mas sim operamos sob um conceito de interdependência. Todos precisamos uns dos outros e caminhamos juntos na mesma direção. É um conceito de unidade.”
As mesas ajudaram os líderes indígenas a encontrar parcerias de tradução. Eles podem levar projetos de tradução em potencial para a mesa de um país e, então, as organizações interessadas podem discutir formas de cooperar. Isso evita a duplicação de esforços e fortalece o compartilhamento de recursos.
“É como uma sinergia entre organizações”, disse Javier. “Tudo isso é alcançado por meio da cooperação na mesa de negociações.”
O início das mesas
Uma convergência de ideias contribuiu para o lançamento do movimento mesa. David Cardenas lembra-se do impacto do Terceiro Fórum da Mesa para líderes, convocado pela Wycliffe Global Alliance em Istambul, Turquia, em 2015. Foi liderado por Todd Poulter, então consultor da Aliança para o Desenvolvimento de Liderança. A ideia era criar um terceiro espaço neutro. Os membros de uma “mesa” (o norte/oeste global) e os membros de outra mesa (o sul/leste global) trouxeram culturas, crenças, valores e práticas diferentes. Mas aqui, eles podiam se reunir em pé de igualdade.
David disse na época: “Nós que participamos vimos isso como uma nova maneira de criar processos de amizade e colaboração, compreendendo as diferenças culturais, organizacionais e regionais no movimento de tradução da Bíblia.”
Em 2016, Kirk Franklin, então diretor executivo da Aliança, apresentou aos líderes da Área das Américas as ideias do policentrismo — movimentos liderados mutuamente com centros de influência autônomos — e o conceito de amizade na missão de Deus.
Nydia Schmidt, diretora da Área das Américas na época (agora diretora de captação de recursos da SIL México), lembra-se de ter se sentido desafiada pela ideia.
“ Olhei ao redor da América Latina e vi que temos um movimento descentralizado que poderíamos identificar”, disse ela, “mas não consegui identificar os centros de influência. Onde eles estavam? Era a igreja? Bem, isso é muito amplo. Era a FAIENAP, a rede de igrejas indígenas da Amazônia? Bem, essa é uma organização. Onde estavam esses centros de influência autônomos? Porque esse é o cerne do policentrismo. E, conversando com David, concluímos que precisávamos de um modelo diferente. Precisamos de um modelo que seja autônomo, que cresça em capacidade de tomar decisões localmente.”
À medida que as conversas continuavam, em 2018 David propôs a ideia de um modelo nacional, conectado por valores compartilhados. Isso se tornou o modelo de mesas, onde igrejas, agências e organizações indígenas de cada país se reúnem para colaborar e tomar decisões localmente em sua região. A Colômbia e o Brasil foram os primeiros a adotar a ideia, seguidos pelo México e pela Guatemala, e as coisas cresceram rapidamente a partir daí.
“Essa combinação de elementos nos levou a pensar, na equipe das Américas, que poderíamos imaginar novas possibilidades para fortalecer os movimentos de tradução da Bíblia”, disse David. “Foi assim que a Colômbia e o Brasil foram os primeiros países onde começamos a ver que era possível reunir uma mesa de líderes de organizações que trabalham com tradução da Bíblia em vários contextos.”